Quinta-feira, 28 de Janeiro de 2010

Noite

 

 

 

 

 

Noite!

Noite rasgando o caminho

Por onde descalça apago

Estrelas no meu destino!

 

Noite!

Noite de bocas escuras!

Famintas de criaturas

Que sem se verem, e sentirem,

levam o mesmo descaminho.

 

Natália Correia

 

publicado por Lagash às 16:14
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Terça-feira, 29 de Dezembro de 2009

Obscura Castidade

 

 

Uma obscura e inquieta castidade

pôs uma flor para mim no jardim mais secreto

num horizonte  de graça e claridade

intangível e perto.

 

Promessa estática no luar

da densidade em mim corpórea,

não é a culpa, é a memória

da primeira manhã do pecado,

sem Eva e sem Adão.

Só o fruto provado

e a serpente enroscada

na minha solidão.

 

Natália Correia

 

publicado por Lagash às 16:05
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Domingo, 18 de Outubro de 2009

Andar? Não me custa nada!...

 

 

Andar? Não me custa nada!...

Mas estes passos que dou

Vão alongando uma estrada

Que nem sequer começou.

 

Andar na noite?! Que importa?...

Não lenho medo da noite

Nem medo de me cansar;

Mas na estrada em que vou.

Passo sempre a mesma poria...

E começo a acreditar

No mau feitiço da estrada:

Que se ela não começou

Também não foi acabada!

 

Só sei que, neste destino,

Vou atrás do que não sei...

E já me sinto cansada

Dos passos que nunca dei.

 

Natália Correia

 

publicado por Lagash às 16:12
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Quarta-feira, 19 de Agosto de 2009

Obscura Castidade

 

(Virgin Buggered by Her Own Chastity, de Salvador Dalí 1954) 

 

 

Uma obscura e inquieta castidade

pôs uma flor para mim no jardim mais secreto

num horizonte  de graça e claridade

intangível e perto.

 

Promessa estática no luar

da densidade em mim corpórea,

não é a culpa, é a memória

da primeira manhã do pecado,

sem Eva e sem Adão.

Só o fruto provado

e a serpente enroscada

na minha solidão

 

Natália Correia

 

publicado por Lagash às 16:21
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Sexta-feira, 27 de Março de 2009

Sobe o pano

 

("A Mensagem" de Fernando Pessoa, pelo grupo de teatro TAL) 

 

Onde se solta estrangulado grito

Humaniza-se a vida e sobe o pano.

Chegam aparições dóceis ao rito

Vindas do fosso mais fundo do humano.

 

Ilumina-se a cena e é soberano,

no palco, o real oculto no conflito.

É tragédia? É comédia? É, por engano,

O sequestro de um deus num barro aflito?

 

É o teatro: a magia que descobre

O rosto que a cara do homem cobre,

E reflectidos no teu espelho - o actor -

 

Os teus fantasmas levam-te para onde

O tempo puro que te corresponde

Entre horas ardidas está em flor.

 

Natália Correia

 

publicado por Lagash às 16:23
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Segunda-feira, 16 de Março de 2009

Acto sexual é para ter filhos?

 

 

No dia a 3 de Abril de 1982, o deputado João Morgado, disse que o “acto sexual é para ter filhos”, com toda a estupidez de um pseudo – político a introduzir ideias supostamente cristãs para agradar a meia dúzia de clérigos que lhes faziam o favor de arrastar o rebanho ao voto para o partido das setinhas para o meio.

 

Este país embora esteja muito atrasado em muitas áreas, foi pioneiro na abolição da pena de morte, quando a bíblia continua a dizer “olho por olho, dente por dente”. Evoluímos e percebemos que a bíblia é intemporal, que os tempos se adaptam a ela, e que mais importante de tudo é ser alegórica e simbólica. Para além disso em parte nenhuma é falado do aborto! – e até o “não matarás” tem o significado no hebraico de “não assassinarás” e que se por um lado justificou matanças (não assassinatos) por parte da igreja / inquisição na idade média, por outro “justificaria” a alegada por alguns “morte” do feto. Fala-vos um cristão.

 

Felizmente duvido que tenhamos muitos políticos destes actualmente, mas se temos alguns, pelo menos têm a hipócrita decência de calarem as suas ideias retrógradas. Tirando algumas mulheres de apelido Leite que não aprendem nunca e que se mantém (coitadas) num registo em 2008, conservador e pré-histórico de “a família tem por objectivo a procriação” – incrível, certo? Muda-se do contexto sexual para o prezado valor da família, mas a ESTÚPIDA mensagem é a mesma!

 

Portugal AINDA é livre, e eu sou um homem livre, para que tanto alguém possa dizer barbaridades como as que foram ditas em 1982 e em 2008, intrometendo-se claramente na minha vida sexual e familiar, como eu possa usar o meu “tempo de antena” para criticar os políticos que lá estão ao meu / nosso serviço.

 

Bem esteve Natália Correia que lhe respondeu (ao João Morgado – pena a poetisa não estar fisicamente entre nós em 2008) no dia seguinte na mesma assembleia e que merece ainda hoje ser ouvido pela Sra. Leite que tem mesmo de emigrar para a Sibéria e parar de opinar em Portugal.

 

Aqui segue o poema da Natália Correia, cujo aniversário da morte se celebra hoje, para o então deputado João Morgado:

 

“Já que o coito - diz Morgado -

tem como fim cristalino,

preciso e imaculado

fazer menina ou menino;

e cada vez que o varão

sexual petisco manduca,

temos na procriação

prova de que houve truca-truca.

Sendo pai só de um rebento,

lógica é a conclusão

de que o viril instrumento

só usou - parca ração! -

uma vez. E se a função

faz o orgão - diz o ditado -

consumada essa excepção,

ficou capado o Morgado.”

 

Natália Correia

 

As opiniões aqui expressadas (com a excepção do poema) são de minha autoria.

 

Mário L. Soares

 

publicado por Lagash às 16:13
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Morte de Natália Correia

 

(Natália Correia por Mário L. Soares) 

 

Natália de Oliveira Correia nasceu em Fajã de Baixo, na ilha de São Miguel nos Açores em 13 de Setembro de 1923, e morreu em Lisboa a 16 de Março de 1993, foi uma intelectual, poetisa e activista social, autora de extensa e variada obra publicada, com predominância para a poesia. Deputada à Assembleia da República de 1980 a 1991, interveio politicamente ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres. Foi a autora da letra do Hino dos Açores. Juntamente com José Saramago, Armindo Magalhães, Manuel da Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues foi, em 1992, um dos fundadores da Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC)

 

A obra de Natália Correia estende-se por géneros variados, desde a poesia ao romance, teatro e ensaio. Colaborou com frequência em diversas publicações portuguesas e estrangeiras. Foi uma figura central das tertúlias que reuniam em Lisboa nomes centrais da cultura e da literatura portuguesas nas décadas de 1950 e 1960. Ficou conhecida pela sua personalidade livre de convenções sociais, vigorosa e polémica, que se reflecte na sua escrita. A sua obra está traduzida em várias línguas.

 

Quando tinha apenas onze anos o pai emigrou para o Brasil, fixando-se Natália com a mãe e a irmã em Lisboa, cidade onde fez os seus estudos liceais. Iniciou-se na literatura com a publicação de uma obra destinada ao público infanto-juvenil mas rapidamente se afirmou como poeta.

 

Notabilizou-se através de diversas vertentes da escrita, já que foi poetisa, dramaturga, romancista, ensaísta, tradutora, jornalista, guionista e editora, tornou-se conhecida na imprensa escrita e, sobretudo, na televisão, com o programa Mátria, onde advogou uma forma especial de feminismo – afastado do conceito politicamente correcto do movimento — o matricismo —, identificador da mulher como arquétipo da liberdade erótica e passional e fonte matricial da humanidade; mais tarde, à noção de Pátria e de Mátria acrescenta a de Frátria.

 

Dotada de invulgar talento oratório e grande coragem combativa, tomou parte activa nos movimentos de oposição ao Estado Novo, tendo participado no MUD (Movimento de Unidade Democrática, 1945), no apoio às candidaturas para a Presidência da República do general Norton de Matos (1949) e de Humberto Delgado (1958) e na CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, 1969). Foi condenada a três anos de prisão, com pena suspensa, pela publicação da Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, considerada ofensiva dos costumes, (1966) e processada pela responsabilidade editorial das Novas Cartas Portuguesas de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta. Foi responsável pela coordenação da Editora Arcádia, uma das grandes editoras portuguesas do tempo.

 

A sua intervenção política pública levou-a ao parlamento, para onde foi eleita em 1980 nas listas do PPD (Partido Popular Democrático), passando a independente. Foi autora de polémicas intervenções parlamentares, das quais ficou célebre, num debate sobre o aborto, em 1982, a réplica satírica que fez a um deputado do CDS sobre a fertilidade do mesmo.

 

Fundou em 1971, com Isabel Meireles, Júlia Marenha e Helena Roseta, o bar Botequim, onde durante as décadas de 1970 e 1980 se reuniu grande parte da intelectualidade portuguesa. Foi amiga de António Sérgio (esteve associada ao Movimento da Filosofia Portuguesa), David Mourão-Ferreira ("a irmã que nunca tive"), José-Augusto França ("a mais linda mulher de Lisboa"), Luiz Pacheco ("esta hierofântide do século XX"), Almada Negreiros, Mário Cesariny ("era muito mais linda que a mais bela estátua feminina do Miguel Ângelo"), Ary dos Santos ("beleza sem costura"), Amália Rodrigues, Fernando Dacosta, entre muitos outros. Foi uma entusiasmada e grande impulsionadora pelo aparecimento do espectáculo de café-concerto em Portugal, na figura do polémico travesti Guida Scarllaty, o actor Carlos Ferreira, na época um jovem arquitecto de quem era grande amiga. Na sua casa, foi anfitriã de escritores famosos como Henry Miller, Graham Greene ou Ionesco.

 

Natália Correia recebeu, em 1991, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores pelo livro Sonetos Românticos. No mesmo ano foi-lhe atribuída a Ordem da Liberdade; era já detentora da Ordem de Santiago.

 

Natália Correia casou quatro vezes. Após dois primeiros curtos casamentos, casou em Lisboa a 31 de Julho de 1953 com Alfredo Luiz Machado (1904-1989), a sua grande paixão, bem mais velho do que ela e já viúvo, casamento este que durou até à morte deste, a 17 de Fevereiro de 1989. (São já notáveis as cartas de amor da jovem Natália para Alfredo Luiz Machado.) Em 1990, tinha Natália 67 anos de idade, celebrou um casamento de conveniência com o seu colaborador e amigo Dórdio Guimarães.

 

Na madrugada de 16 de Março de 1993, morreu, subitamente, com um ataque cardíaco, em sua casa, depois de regressada do Botequim. A sua morte precoce deixou um vazio na cultura portuguesa muito difícil de preencher. Legou a maioria dos seus bens à Região Autónoma dos Açores, que lhe dedicou uma exposição permanente na nova Biblioteca Pública de Ponta Delgada, instituição que tem à sua guarda parte do seu espólio literário (que partilha com a Biblioteca Nacional de Lisboa), constante de muitos volumes éditos, inéditos, documentos biográficos, iconografia e correspondência, incluindo múltiplas obras de arte e a biblioteca privada.

 

Fonte: Wikipédia com algumas (poucas) alterações da minha autoria.

 

Acrescento que é uma das minhas poetisas favoritas, principalmente pela sua “força” e frontalidade – traço de personalidade que tento incluir (pela pura imitação por admiração ao belo) na minha vida.

 

Natália Correia tem na poesia um estilo muito próprio que nos transporta do dia a dia, a um imaginário palpável, interventivo e acutilante, sempre muito directo. Tem também nos seus mais românticos poemas uma doçura apaixonada de uma menina de 16 anos.

 

Mário L. Soares

 

 

publicado por Lagash às 10:19
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Domingo, 1 de Março de 2009

Língua Mater Dolorosa

 

 

Tu que foste do Lácio a flor do pinho

dos trovadores a leda a bem-talhada

de oito séculos a cal o pão e o vinho

de Luís Vaz a chama joalhada

 

tu o casulo o vaso o ventre o ninho

e que sôbolos rios pendurada

foste a harpa lunar do peregrino

tu que depois de ti não há mais nada,

 

eis-te bobo da corja coribântica:

a canalha apedreja-te a semântica

e os teus verbos feridos vão de maca.

 

Já na glote és cascalho és malho és míngua,

de brisa barco e bronze foste a língua;

língua serás ainda... mas de vaca.

 

Natália Correia em “Inéditos” - 1973

 

publicado por Lagash às 16:04
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Domingo, 17 de Agosto de 2008

O sol nas noites e o luar nos dias

 

 

De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
 
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
 
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
 
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

Natália Correia

publicado por Lagash às 16:32
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Sexta-feira, 25 de Julho de 2008

Falavam-me de amor

 

 

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

 

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

 

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

 

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

 

 

Natália Correia

em "O Dilúvio e a Pomba"

 

publicado por Lagash às 16:30
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Sábado, 26 de Abril de 2008

Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

 
 
Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

 
 
 
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

 
 
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

 
 
Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras dos avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

 
 
 
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

 
 
 
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

 
 
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

 
 
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

 
 
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

 
 
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

 
 
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.
 
 
 

Natália Correia
publicado por Lagash às 12:25
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Declaração

Declaro que a responsabilidade de todos os textos / poesia / prosa publicados é minha no respeitante à transcrição dos mesmos. Faço todos os possíveis para contactar o(s) autor(es) dos trabalhos a fim de autorizarem a publicação, na impossibilidade de o fazer, caso assim o entenda o autor ou representante legal deverá contactar-me a fim de que o mesmo seja retirado - o que será feito assim que receba a informação. Os trabalhos assinados "Mário L. Soares" são de minha autoria e estão protegidos com a lei dos direitos de autor vigente. Quanto às fotografias, todas, cujo autor não esteja identificado, são de "autor desconhecido" - caso surja o respectivo autor de alguma, queira por favor contactar-me para proceder à sua identificação e se for caso disso retirada do blog. Às restantes fotografias aplicarei o mesmo princípio dos trabalhos escritos. Obrigado. Mário L. Soares - lagash.blog@sapo.pt

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