(Jardin de tuileries - Paris)
Ainda terás alento e pedra de canto,
Mito de Pégaso, patada de sangue da mentira,
Para cantar em sílabas ásperas o canto,
De rima em -anto, o pranto,
O amor, o apego, o sossego, a rima interna
Das almas calmas, isto e aquilo, o canto
Do pranto em pedra aparelhada a corpo e escopro,
O estupro de outrora, a triste vida dela, o canto,
Buraco onde te metes, duplamente: com falo,
Falas, fá-la chorar e ganir, com falo o canto
No buraco de grilo onde anoiteces,
No buraco de falso eremita onde conheces
Teu nada, o dela, o buraco dela, o canto
De pedra, sim, canteiro por cantares e aparelhares
Com ela em rua e cama o falo fá-la cheia,
Canteiro porque o falo a julga flores, o canto
Áspero do canteiro de pedra e sémen que tu és
(No buraco do falo falaste),
Tu, falazão de amor, que a amas e conheces.
Amas a quem? Conheces quem? Pobre Hipocrene,
Apolo de pataco, Camões binocular, poeta de merda,
Embora isso em sangue dessa pobre alma em ferida:
A dela, a tua, cadela a tua pura e fiel no canto
De lama e amor como não há no charco em torno,
Maravilhoso canto só de soprares na ponta a um corno
E logo a sílaba e o inferno te obedecem
E as dores íntimas dela nas tuas falas se conhecem,
Sua íntima vergonha inconfessada desponta,
Passiflora penada, pequenina vulva triste
Em teu sémen sarada e já livre de afronta:
O canto em pedra e voz, psicóide e bem vibrado,
Límpido como vidro a altas horas lavado,
Como o galo de bronze pela dor acordado,
No amor e na morte alevantado,
Da trampa mentirosa resgatado,
Como Dante o lavrou em pedra de Florença
E deus to deu de amor põe ela no atoleiro?
Flor menina de orvalho em amor verdadeiro?
Ainda terás amor e pedra de canto,
Fé nela e sua dor de arrependida e enganada,
Ou, enfim, amor a fogo dado e perdão puro...
Eu quero lá saber! Amor de Deus no canto
De misericórdia e paz, mesmo para os violentos
Da violência violeta, a breve miosótis
Ao canto unida e em tuas lágrimas orvalhada?
Cala-te e humilha-te como ela,
Ou é maior do que tu no canto
E a esta hora só bebe talvez água salgada,
Oh poeta de água doce!
Mas, antes de calar espada e voz, responde:
Ainda terás alento e pedra de canto
Para cantar estas coisas,
Encantar outra vez a donzela roubada ou niña morta,
Enfim, o teu amor?
Dize, lá, sem-vergonha,
Homem singelo:
Pois se nisto me mentes nunca mais a verás.
(Quem fala?)
Vitorino Nemésio
De Anónimo a 24 de Agosto de 2009 às 16:55
Como não comentou a minha escolha, fiquei com a sensação que não tinha apreciado a sugestão. Entre outras coisas, sabe o que mais me fascina nesta composição? O jogo de palavras que o autor habilmente conseguiu criar, ou não adorasse eu brincar com as palavras...
(Nem me considero muito curiosa, mas já vim "espreitá-lo" hoje 2 vezes e nas horas mais impróprias... ai, ai, ai, ai... tempus fugit)
Ubdps!
De
Lagash a 24 de Agosto de 2009 às 17:37
Consigo ver uma série de figuras de estilo que fazem paralelo com o outro autor de que já falamos - Cesário Verde. Que, seja pelas aliterações, assonâncias, paronomásias ou pleonasmos, enriquecem a poesia de uma forma excepcional.
O seu 'voyeurismo' que a leva a "espreitar-me", está em consonância com a minha exibição diária de coisas, tantas vezes - quase - jogadas ao acaso na blogosfera.
Sinta-se bem e livre para me visitar a todas as minhas horas mais impróprias, mas que a si lhe convenham.
...Carpe Diem...
De Anónimo a 25 de Agosto de 2009 às 13:00
"Dum loquimur, fugerit inuida aetas; carpe diem, quam minimum credula postero"...
Esta é apenas... a minha filosofia de vida... (ou não fosse quem/como sou!)
"Carpe diem, quam minimum credula postero. Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios temptaris numeros. Ut melius, quidquid erit, pati. Seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam, quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare Tyrrhenum: sapias, vina liques et spatio brevi spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit inuida aetas; carpe diem, quam minimum credula postero." H.
Para hoje, sugiro “O melhor pretexto”, de Alexandre O’Neill.
Ubdps!
S.
De
Lagash a 25 de Agosto de 2009 às 13:35
Horácio, heim...
Então temos alguém que gosta de poesia, literatura, latim, com uma licenciatura (ou frequência) na mesma área. E que, gosta particularmente de aproveitar o dia e as oportunidades do dia...
Gostei.
Vou ler atentamente o poema do O'Neil, que não conheço, durante o almoço, mas que já tenho impresso.
Bom almoço. E um bom dia.
Mário L. Soares
De
Lagash a 25 de Agosto de 2009 às 15:22
A vida como (melhor) pretexto para viver a própria vida... vai ao encontro do "Carpe diem", sem dúvida, mas não será uma perspectiva minimalista?
O aproveitar o dia, gozar o momento, viver o hoje, não será pouco?
Não estaremos cá a viver algo mais grandioso? Não teremos um 'fatum' comum (ou diferente, até) e efectivo?
Sinto que sou destinado a algo mais. Sinto que tenho um designio - uma razão para ser. Não passa de um sentimento - mas é.
De qualquer forma, a vida deve ser vivida sem olhar directamente ao destino e sim ao presente e ao prazer. Não sou hedonista puro, até porque sou religioso, mas acredito num equilíbrio prazeroso da vida.
Gostei muito do poema. Terá lugar aqui um destes dias.
(Será que conheço esta anónima...)
Beijinhos
De Anónimo a 25 de Agosto de 2009 às 16:02
Temos alguém que gosta de Poesia, de Literatura, de Latim (e de tantas outras coisas…)
Temos alguém que faz a apologia da Língua Mãe.
Temos alguém que “escreve” Prosa porque gosta, acima de tudo, de brincar com as palavras, usando-as e reinventando-as.
Temos alguém que tem uma licenciatura na mesma área, mas que enveredou por outras áreas, também elas aliciantes, nas quais se tem vindo a especializar, trabalhando na/e para a Causa Pública.
Temos alguém que dedica o seu tempo à gestão, à liderança, à decisão, ao planeamento e à execução, em prol do benefício comum da População.
Temos alguém que acredita que é possível e que levanta os braços quando os dos outros estão caídos.
Temos alguém que luta por um Mundo melhor.
Temos alguém que preconiza uma Sociedade Democrática, mais Justa e Solidária.
Temos alguém que nunca se esquece dos princípios da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.
Enfim, e assim de uma forma resumida… sim, temos alguém…
Este último comentário carece de uma resposta diferente, mas estou de "saída" para uma reunião. Depois comento-o.
Ah, e não creio que nos conheçamos (conheço o seu homónimo M.S., mas a si julgo que não...), no entanto (e vendo a sua localização) coincidentemente, estou mesmo aqui ao lado!
Continuação de ubdps!
S.
De Anónimo a 26 de Agosto de 2009 às 16:33
... Temos alguém simples, modesto, etc, etc, enfim!
De Anónimo a 26 de Agosto de 2009 às 19:00
Confesso que não estava à espera de um comentário tão depreciativo da sua parte, como este último... Tentei caracterizar, de forma resumida, uma parte da minha vida, dando a entender o que faço, e como sou enquanto pessoa, mas em nenhuma linha imprimi o culto da personalidade. Lamento que me tenha entendido assim, principalmente porque a sua apreciação jocosa é-me completamente alheia. Enfim!
De
Lagash a 26 de Agosto de 2009 às 19:15
As tais coisas do anonimato...
Acredite que pensei que era seu o comentário. Repare que é anónimo. Não é meu. Sei também que não é seu. Pois, será anónimo então...
Não viria de mim tal. Lamento.
Mário L. Soares
De Zinha a 26 de Agosto de 2009 às 20:44
Hehehe, isto está a ficar engraçado... pensavam que estavam a conversar a sós? Sabes que sei pouco da blogoesfera e tal, mas quem tem estes cantinhos sujeita-se, né? Beijinho
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