Perdoa-me por tudo o que te fiz.
Perdoa-me o que não te fiz.
O perdão é importante questão.
E também seja levante o esquecimento.
O amor é eterno como o firmamento
externo e o lamento.
Perdão te peço de todo o meu fundo.
Perdão que não meço do tamanho do mundo.
Esquecer é preciso…
Sejam ventos os pensamentos
que apenas passam.
Levam o tempo que
no momento lavram.
Esqueço-me de mim e arrefeço-me.
Pertenço ao querer e ao lenço.
Vivo na história da memória do meu livro.
Esqueço da dor,
lembro o fervor do amor.
Perco-me em mim no labirinto
que sinto.
Sou forte e olho de frente
a morte pendente.
Espero a sorte que note
que vi e que estou aqui.
Oh, vida, que não queres perdão
perdida assim p’lo chão.
Nascida de azul berço,
Que mereço ser querida.
Perdoa-me vida. Perdoa-me sorte.
Perdoa-me a morte.
Mário L. Soares
Não suportarei o retiro
Virarei terras que me envolvem
Na cabeça ficará um tiro
Comerei vermes que me sorvem.
Podre o húmus que me torno
Chove rubras gotas em molhos
Frio o gelo deste forno
Raízes de mastros pelos olhos
Cheiro fétido putrefacto
Fechado em volta de uma arca
Saboreio sem língua o mato
Claustro refúgio que quero
Fuga da história que fica
Morte anunciada que espero
Mário L. Soares
Viverei o que sinto
Com amor em promontório
Saberás que não minto
No fim, no meu velório
Abrirei os braços
E no túnel gritarei
A todos os meus laços
Por quem me enamorei
Se em enleios me perder
A luz do destino granjearei
Para não me deixar morrer
Serei, no caminho, feliz comigo
E ao universo sorrirei
A minha vida contigo
Mário L. Soares
(Colorado Headwaters Fall)
A vida
às portas da vida
e o azul masculino de um rio
Amor Ardente
de forma distinta
Mário Cesariny de Vasconcelos
Doce sonho, suave e soberano,
se por mais longo tempo me durara!
Ah! quem de sonho tal nunca acordara,
pois havia de ver tal desengano!
Ah! deleitoso bem! ah! doce engano,
se por mais largo espaço me enganara!
Se então a vida mísera acabara,
de alegria e prazer morrera ufano.
Ditoso, não estando em mim, pois tive,
dormindo, o que acordado ter quisera.
Olhai com que me paga meu destino!
Enfim, fora de mim, ditoso estive.
Em mentiras ter dita razão era,
pois sempre nas verdades fui mofino.
Luís Vaz de Camões
A vida, às vezes, parece tão complicada…
E no entanto – não é.
Mário L. Soares
Enfermidade da vida
E a vida própria perdida
Que é o que temos
E é o que dentro tememos
Fugimos do amor e do sorriso
Corremos ao Inferno, esquecido o paraíso
Choramos a vida e o sal
Abraçamos o sofrer e o mal
Amamos o ouro, jóias e cimento
Todas as posses e poder
E vis coisas de tormento
Queremos, para não mais saber
Parar a vida no firmamento
Abrir os olhos e deixar de ver.
Mário L. Soares
Que hei-de eu fazer
Eu tão nova e desamparada
Quando o amor
Me entra de repente
P’la porta da frente
E fica a porta escancarada
Vou-te dizer
A luz começou em frestas
Se fores a ver
Enquanto assim durares
Se fores amada e amares
Dirás sempre palavras destas
P’ra te ter
P’ra que de mim não te zangues
Eu vou-te dar
A pele, o meu cetim
Coração carmesim
As carnes e com elas sangues
Às vezes o amor
No calendário, noutro mês, é dor,
é cego e surdo e mudo
E o dia tão diário disso tudo
E se um dia a razão
Fria e negra do destino
Deitar mão
À porta, à luz aberta
Que te deixe liberta
E do pássaro se ouça o trino
Por te querer
Vou abrir em mim dois espaços
P’ra te dar
Enredo ao folhetim
A flor ao teu jardim
As pernas e com elas braços
Às vezes o amor
No calendário, noutro mês, é dor,
É cego e surdo e mudo
E o dia tão diário disso tudo
Mas se tudo tem fim
Porquê dar a um amor guarida
Mesmo assim
Dá princípio ao começo
Se morreres só te peço
Da morte volta sempre em vida
Às vezes o amor
No calendário, noutro mês é dor,
É cego e surdo e mudo
E o dia tão diário disso tudo
Da morte volta sempre em vida
Sérgio Godinho
("Olhando o céu", foto de João Viegas - http://olhares.aeiou.pt/joaoviegas )
Era um rapazinho estranho, pensavam os colegas e a família, pouco à vontade, caminhando de mansinho, cerimonioso, na vida, e às vezes como que esquecido dela. Não entrava no esquema, e as pessoas que o rodeavam sentiam-se frustradas e até impotentes, irritadas às vezes, perante a sua inércia e o seu desinteresse, mais ainda perante o seu leve, quase inexistente interesse por coisas que eram decerto erradas porque as ignoravam. Dir-se-ia que ele se ia perdendo aos poucos, ao longo dos dias. O seu olhar redondo parecia às vezes ficar pegado, ali e além, mas sempre num ali e num além desinteressantes para os outros, perigosos, e quando um grito ou uma repreensão obrigava o olhar a soltar-se, a criança parecia de repente magoada, perplexa e só, num mundo desconhecido.
Na escola aprendia com dificuldade e o computador que dava mensalmente as notas, com a sua gelada isenção de máquina, queixava-se sempre dele em cartão perfurado. Não gostava de números, o que afligia os pais, porque os números eram a única solução para os homens e ninguém podia ganhar a vida sem conviver com eles intimamente. Também não se interessava muito pelos jogos nem mesmo pela televisão que tinha no quarto, e passavam-se dias em que nem sequer tocava nos botões do aparelho maravilhoso. O «écran» era programado para a sua idade e para os gostos que alguém muito sabedor, sem a menor hesitação lhe atribuía. Cada pessoa tinha a sua televisão, programada de um modo especial, assim eram feitas as casas. O «écran» acendia-se numa espécie de altar, porque se tratava de um só deus omnipresente embora tivesse um rosto e uma voz para cada um dos seus adoradores. Como, de resto, todos os deuses de todos os tempos.
O rapazinho deambulava pois pela escola ou pela casa, como um corpo sem alma. À noite, enquanto o pai e a mãe olhavam em êxtase para os «écrans» respectivos, não se punha outra hipótese, o rapazinho metia-se no elevador e ia até ao terraço que ficava no quinquagésimo andar. Ali acabara o reino das moscas e o único f í era luminoso e parecia suspenso no tecto côncavo da abóbada celeste, porque era poeira de estrelas. E então escrevia no ar e apagava o que escrevia e escrevia de novo.
Um dia a mãe seguiu-o, Se queria adoecer, disse-lhe. Já que gostava de ver o céu, por que não ligava para o programa das nove horas? Era a mesma coisa, era mesmo muito melhor e a casa estava aquecida.
Corou, envergonhado ou até assustado, sem saber porquê mas com a consciência intranquila de estar a cometer uma interdição, e essa intranquilidade vinha-lhe do facto de não conhecer ninguém que perdesse tempo a olhar para o céu. A mãe tinha razão. Os rapazes da escola e as raparigas, claro, falavam desse programa. E havia também os planetários e os grandes telescópios públicos. Mas aí está, nada, disso o interessava. Era multo científico e sem mistério. Ele gostava era daquele pozinho de luz, suspenso sobre a sua cabeça. Mas nessa noite a mãe acusa-o de a tomar infeliz, e o rapazinho, que gostava muito dela, prometeu emendar-se e ficar atento às coisas da vida.
Cumpriu na medida do possível. Aprendeu a lidar com os números, tão áridos, e soube mexer com relativo à-vontade nos mil botões das muitas máquinas indispensáveis ao dia-a-dla das criaturas. Os pais, tranquilizados, respiraram fundo. O filho estava finalmente a preparar-se para a vida.
Um dia, porém, ele fez um poema. Não sabia que era um poema porque coisas dessas, inúteis ao bem-estar e ao progresso, já não se aprendiam nas escolas. Mas o rapazinho estava sentado à sua máquina electrónica para traçar o esboço de um relatório e em vez disso fez um poema em que se tratava de uma prisão invisível, da proibição de viver a de morrer, da obrigatoriedade de esperar uma vida inteira, se necessário fosse, por coisa nenhuma. Era um poemazinho ingénuo, mas ele sentiu-se tão assustado como quando a mãe o surpreendera a olhar para as estrelas. E escondeu-o, bem escondido, no fundo de uma gaveta,
Um dia alguém bem pensante da família achou o poema e foi mostrá-lo à mãe, que o leu, angustiada. Ela sabia daquele mal antigo e persistente cuja cura só fora descoberta havia umas dezenas de anos. A cura, quando a doença estava no princípio. Estaria no princípio a doença do filho? Não teria já nascido doente sem ela o saber?
A noite falou com o marido e no dia seguinte levaram o rapazinho à clínica dos casos urgentes. O médico fez multas perguntas, leu o texto muitas vezes para o perceber bem, quis saber o que a criança sentira ao escrevê-lo, porque o escrevera, para quê, tomou notas, forneceu-as ao computador-ajudante. Aquilo de ter ido ao último andar olhar o céu — quantas vezes? Quando fora a primeira? — era um sintoma aborrecido. O exame durou uma hora. Depois o médico sentou-se à sua mesa de trabalho, leu a resposta, fechou os olhos, abriu-os, declarou aos pais em pânico: «O que ele tem chama-se poesia.»
«Era o que eu receava», disse o pai. «Era o que eu receava», repetiu.
«Houve alguém na família...» ia perguntar o médico.
A mãe precipitou-se: «Não, não, ninguém. Somos todos absolutamente normais.»
«Então há esperança. Se fizer o tratamento com regularidade, há esperança.»
Fez o tratamento e curou-se. Uma pílula azul e outra verde pela manhã, um comprimido à tarde, uma injecção semanal. Durante três meses. Quando voltou ao médico estava curado.
Dai em diante deu-se todo às máquinas e ergueu muros que impediam toda e qualquer fuga para além do quotidiano. Sentiu-se, de resto, muito bem no esquema que passou a considerar certo. E entre outras coisas converteu-se ao deus caseiro. Foi um homem como os outros homens, portanto feliz, que mais se podia desejar?
Maria Judite de Carvalho
Ai eu já pensei,
Mandar pintar o céu em tons de azul,
Pra ser original
Só depois notei,
Que azul já ele é, houve alguém,
Que teve ideia igual
Eu não sei, se hei-de fugir,
Ou morder o anzol
Já não há, nada de novo aqui,
Debaixo do sol
Já me persegui,
por becos e ruelas d'horror,
caminhos sem saída
até que me perdi
sozinha sem saber de que cor,
pintar a minha vida
Eu não sei, se hei-de fugir,
Ou morder o anzol
Já não há, nada de novo aqui,
Debaixo do sol
Rádio Macau
Narro-me letra por letra para ti
e sou a breve palavra que tu deixas
como uma esteira branca
no céu azul do tempo
Subo tijolo a tijolo até ás tuas mãos
e sou dos edifícios da cidade
um dos que hão-de ruir amanhã
Tombaram-nos primeiro os avós
e chega já a vez dos nossos pais
Quando faltar um choupo
no caminho da infância que vai dar ao rio
receberemos no rosto a morte
com a surpresa do primeiro homem
Eu fui um dia um nome escrito numa pedra
onde as mulheres da minha aldeia
batiam a roupa que nos cobre no tempo
E depois já não soube mais nada
mas a primavera passou rente a mim:
a morte fora continuava
Ruy Belo
Não estou pensando em nada
E essa coisa central, que é coisa nenhuma,
É-me agradável como o ar da noite,
Fresco em contraste com o verão quente do dia,
Não estou pensando em nada, e que bom!
Pensar em nada
É ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
É viver intimamente
O fluxo e o refluxo da vida...
Não estou pensando em nada.
Só, como se me tivesse encostado mal.
Uma dor nas costas, ou num lado das costas,
Há um amargo de boca na minha alma:
É que, no fim de contas,
Não estou pensando em nada,
Mas realmente em nada,
Em nada...
Álvaro de Campos
1935
O amor tem mais que o nada do mundo
Viver a morte, viver o sofrimento
Viver uma vida sofrida e amargurada…
É a morte lenta e sem sentido.
Temos um prenúncio, um caminho
Saber a senda que nos foi designada
É auguro de poucos, e loucos…
Os olhos vêem mais que o que está à vista.
Vê! Há mais no coração que apenas frio.
Há mais na vida do que a morte!
Vê! Vive o teu dia e avança.
Vê! Há mais no mundo, tem esperança
Há mais na alma que as pedras da vida!
Vê! Ama a vida… e sorri.
Mário L. Soares
(Ermelinda Miranda - Verão de 2005)
O pensamento
Nada é mais misterioso
Do que o pensamento
Nada é mais livre
Nada é mais sonante
É tão musical
Tão cortante
Tão amante
Tão veloz
Tão inconstante
Mistério tão
Sem valor
Mas assim
Nasce o amor
Ermelinda Miranda
Para a minha mãe. Que faz hoje 75 anos. Que belo número. Nasceste a 2 de Setembro de 1934.
E que belo poema este que escreveste. O amor que tenho por ti, nasceu assim há 36 anos, tão misterioso como a vida que nasceu nesse momento. Para ti tenho mais que um pensamento. Tenho o respeito da vida que me deste e dás. A devoção à família que só compreenderei quando de mim nascer um mistério. Como o pelicano que dá a sua própria carne às suas crias em momentos de escassez, assim tu te anulas em função dos que amas. Sinto-o e isso por vezes, revolta-me por não conseguir ser assim. Quero sê-lo, porque assim é que é belo. Assim se vive no céu. Dando, uns aos outros. Tu dás, sem querer retorno. Nada pedes, nada queres para ti. O sublime altruísmo. Somos a tua extensão. Sou os teus braços. Eu estou contigo, no teu coração. E tu estás comigo no meu…
És para mim o exemplo do que deve ser a vida.
Do pensamento nasce o amor, é verdade mamã! Penso em ti neste momento. Neste dia. Parabéns!
Mário L. Soares
É tão frágil a vida,
tão efémero, tudo!
(Não é verdade, amiga,
olhinhos-cor-de-musgo ?)
E ao mesmo tempo é forte,
forte da veleidade,
de resistir à morte
quanto maior a idade.
Assim, aos trinta e sete,
fechados alguns ciclos,
a vida ainda pede
mais sentimento, vínculos.
Não tanto os que nos deram
a fúria de viver,
como esses descobertos
depois de se saber
Que a vida não é outra
senão a que fazemos
(e a vida é uma só,
pois jamais voltaremos).
Partidários da vida,
melhor: do que está vivo,
digamos "não!" a tudo
que tenha outro sentido.
E que melhor pretexto
(quem o saiba que o diga!)
teremos p'ra viver
senão a própria vida?
Alexandre O'Neill
in "Poemas com endereço"
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CDS - Centro Democrático Social
Não asses mais carapaus fritos
PCP - Partido Comunista Português
PSD - Partido Social Democrata
Vida de um Português - grande brother!
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