Narro-me letra por letra para ti
e sou a breve palavra que tu deixas
como uma esteira branca
no céu azul do tempo
Subo tijolo a tijolo até ás tuas mãos
e sou dos edifícios da cidade
um dos que hão-de ruir amanhã
Tombaram-nos primeiro os avós
e chega já a vez dos nossos pais
Quando faltar um choupo
no caminho da infância que vai dar ao rio
receberemos no rosto a morte
com a surpresa do primeiro homem
Eu fui um dia um nome escrito numa pedra
onde as mulheres da minha aldeia
batiam a roupa que nos cobre no tempo
E depois já não soube mais nada
mas a primavera passou rente a mim:
a morte fora continuava
Ruy Belo
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