Já o silêncio não é de oiro: é de cristal;
redoma de cristal este silêncio imposto.
Que lívido museu! Velado, sepulcral.
Ai de quem se atrever a mostrar bem o rosto!
Um hálito de medo embaciando o vidrado
dá-nos um estranho ar de fantasmas ou fetos.
Na silente armadura, e sobre si fechado,
ninguém sonha sequer sonhar sonhos completos.
Tão mal consegue o luar insinuar-se em nós
que a própria voz do mar segue o risco de um disco...
Não cessa de tocar; não cessa a sua voz.
Mas já ninguém pretende exp'rimentar-lhe o risco!
David Mourão-Ferreira
É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força de vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
– que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.
David Mourão-Ferreira
(foto retirada da internet - desconheço o autor)
Os teus olhos
exigindo
ser bebidos
Os teus ombros
reclamando
nenhum manto
Os teus seios
pressupondo
tantos pomos
O teu ventre
recolhendo
o relâmpago
David Mourão Ferreira
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