Terça-feira, 26 de Janeiro de 2010

Adoração

 

 

Eu não te tenho amor simplesmente. A paixão

Em mim não é amor; filha, é adoração!

Nem se fala em voz baixa à imagem que se adora.

Quando da minha noite eu te contemplo, aurora,

E, estrela da manhã, um beijo teu perpassa

Em meus lábios, oh! quando essa infinita graça

do teu piedoso olhar me inunda, nesse instante

Eu sinto? virgem linda, inefável, radiante,

Envolta num clarão balsâmico da lua,

A minh'alma ajoelha, trémula, aos pés da tua!

Adoro-te!... Não és só graciosa, és bondosa:

Além de bela és santa; além de estrela és rosa.

Bendito seja o deus, bendita a Providência

Que deu o lírio ao monte e à tua alma a inocência,

O deus que te criou, anjo, para eu te amar,

E fez do mesmo azul o céu e o teu olhar!...

 

Guerra Junqueiro

 

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Sábado, 19 de Dezembro de 2009

Barrow-on-furness V

 

 

 

Há quanto tempo, Portugal, há quanto 

Vivemos separados! Ah, mas a alma, 

Esta alma incerta, nunca forte ou calma, 

Não se distrai de ti, nem bem nem tanto. 

 

Sonho, histérico oculto, um vão recanto... 

O rio Furness, que é o que aqui banha, 

Só ironicamente me acompanha, 

Que estou parado e ele correndo tanto... 

 

Tanto? Sim, tanto relativamente... 

Arre, acabemos com as distinções,  

As subtilezas, o interstício, o entre, 

A metafísica das sensações — 

 

Acabemos com isto e tudo mais... 

Ah, que ânsia humana de ser rio ou cais!

 

Álvaro de Campos

 

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Segunda-feira, 16 de Novembro de 2009

Voar

 

(Gaivota no porto de Dover - Reino Unido, no ferry do canal da mancha - Maio de 2008, por Mário L. Soares) 

 

 

Penso em ti

e no teu abraço,

no teu beijo

no nosso laço.

 

Gosto de amar

e em ti sorrir

de te olhar

e o céu abrir.

 

De o corpo suar

e de alma oferecida

no éter pairar.

 

Oh, minha querida!

Sinto o coração voar

no meu peito, p’la tua vida.

 

Mário L. Soares

 

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Terça-feira, 20 de Outubro de 2009

Paciência

 

 

Mesmo quando tudo pede

Um pouco mais de calma

Até quando o corpo pede

Um pouco mais de alma

A vida não pára...

 

Enquanto o tempo

Acelera e pede pressa

Eu me recuso faço hora

Vou na valsa

A vida é tão rara...

 

Enquanto todo mundo

Espera a cura do mal

E a loucura finge

Que isso tudo é normal

Eu finjo ter paciência...

 

O mundo vai girando

Cada vez mais veloz

A gente espera do mundo

E o mundo espera de nós

Um pouco mais de paciência...

 

Será que é tempo

Que lhe falta pra perceber?

Será que temos esse tempo

Pra perder?

E quem quer saber?

A vida é tão rara

Tão rara...

 

Mesmo quando tudo pede

Um pouco mais de calma

Até quando o corpo pede

Um pouco mais de alma

Eu sei, a vida não pára

A vida não pára não...

 

Será que é tempo

Que lhe falta pra perceber?

Será que temos esse tempo

Pra perder?

E quem quer saber?

A vida é tão rara

Tão rara...

 

Mesmo quando tudo pede

Um pouco mais de calma

Até quando o corpo pede

Um pouco mais de alma

Eu sei, a vida é tão rara

A vida não pára não...

 

A vida não pára!...

A vida é tão rara!...

 

Lenine

 

publicado por Lagash às 16:17
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Sexta-feira, 16 de Outubro de 2009

Não estou pensando em nada

 

 

Não estou pensando em nada 

E essa coisa central, que é coisa nenhuma,  

É-me agradável como o ar da noite, 

Fresco em contraste com o verão quente do dia, 

Não estou pensando em nada, e que bom! 

 

Pensar em nada 

É ter a alma própria e inteira. 

Pensar em nada 

É viver intimamente 

O fluxo e o refluxo da vida... 

  

Não estou pensando em nada. 

Só, como se me tivesse encostado mal. 

Uma dor nas costas, ou num lado das costas,  

Há um amargo de boca na minha alma:  

É que, no fim de contas, 

Não estou pensando em nada, 

Mas realmente em nada, 

Em nada...

 

Álvaro de Campos

1935

 

publicado por Lagash às 16:04
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Quinta-feira, 10 de Setembro de 2009

O Anjo Caído

 

(Estátua de Lúcifer - "El Ángel Caído" em Madrid no Parque del Retiro) 

 

Era um anjo de Deus

Que se perdera dos céus

E terra a terra voava.

A seta que lhe acertava

Partira de arco traidor,

Porque as penas que levava

Não eram penas de amor.

 

O anjo caiu ferido,

E se viu aos pés rendido

Do tirano caçador.

De asa morta e sem ‘splendor

O triste, peregrinando

Por estes vales de dor,

Andou gemendo e chorando.

 

Vi-o eu, o anjo dos céus,

O abandonado de Deus,

Vi-o, nessa tropelia

Que o mundo chama alegria,

Vi-o a taça do prazer

Pôr ao lábio que tremia...

E só lágrimas beber.

 

Ninguém mais na terra o via,

Era eu só que o conhecia...

Eu que já não posso amar!

Quem no havia de salvar?

Eu, que numa sepultura

Me fora vivo enterrar?

Loucura! ai, cega loucura!

 

Mas entre os anjos dos céus

Faltava um anjo ao seu Deus;

E remi-lo e resgatá-lo,

Daquela infâmia salvá-lo

Só força de amor podia.

Quem desse amor há-de amá-lo,

Se ninguém o conhecia?

 

Eu só, - e eu morto, eu descrido,

Eu tive o arrojo atrevido

De amar um anjo sem luz.

Cravei-a eu nessa cruz

Minha alma que renascia,

Que toda em sua alma pus,

E o meu ser se dividia,

 

Porque ele outra alma não tinha,

Outra alma senão a minha...

Tarde, ai! tarde o conheci,

Porque eu o meu ser perdi,

E ele à vida não volveu...

Mas da morte que eu morri

Também o infeliz morreu.

 

Almeida Garrett

 

publicado por Lagash às 16:14
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Terça-feira, 8 de Setembro de 2009

Nada

 

 

Pensei em hoje não vos deixar aqui nada…

 

Porque é assim que me sinto – vazio. Mas depois resolvi explicar a razão de não publicar nada (o que é um paradoxo). Assim deixo qualquer coisa que indique o vazio da minha alma.

 

Mário L. Soares

 

publicado por Lagash às 16:07
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Quinta-feira, 16 de Julho de 2009

Mais que o teu corpo

 

(Anne Hathaway) 

 

Mais que o teu corpo quero o teu pudor

quero o destino e a alma e quero a estrela

e quero o teu prazer e a tua dor

o crepúsculo e a aurora e a caravela

para o amor que fica além do amor.

 

A alegria e o desastre e o não sei quê

de que fala Camões e é como água

que dos dedos se escapa e só se vê

quando o prazer se torna quase mágoa.

 

Estar em ti como quem de si se parte

e assim se entrega e dando não se dá

quero perder-me em ti e quero achar-te

como num corpo o corpo que não há.

 

Manuel Alegre

 

publicado por Lagash às 16:23
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Sexta-feira, 5 de Junho de 2009

Eu

 

 

Até agora eu não me conhecia,

Julgava que era Eu e eu não era

Aquela que em meus versos descrevera

Tão clara como a fonte e como o dia.

 

Mas que eu não era Eu não o sabia

mesmo que o soubesse, o não dissera...

Olhos fitos em rutila quimera

Andava atrás de mim... e não me via!

 

Andava a procurar-me - pobre louca! -

E achei o meu olhar no teu olhar,

E a minha boca sobre a tua boca!

 

E esta ânsia de viver, que nada acalma,

E a chama da tua alma a esbrasear

As apagadas cinzas da minha alma!

 

Florbela Espanca

 

publicado por Lagash às 16:03
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Segunda-feira, 30 de Março de 2009

Alma Errante

 

(foto de Katia Chausheva)

 

Encontrei muita vez, vagando ao acaso,

Um perfil de mulher no qual se adivinha

Como em exílio uma infeliz Rainha,

Um sol nascente e quase já no ocaso! ...

 

Lembrou me um jaspe, um delicado vaso.

Onde vegeta a custo uma florinha.

Ansiosa por florir, mas que, mesquinha,

Tem o espaço estreito e o chão árido e raso.

 

Certa tarde, já quase ao fim do dia.

Baixava o sol na última agonia.

Via lenta vagando em certa praça.

 

Perguntei-lhe o seu nome, incivilmente...

Cravou-me um triste olhar, e tristemente.

Digna, mui digna, respondeu: Desgraça.

 

Gomes Leal

 

publicado por Lagash às 16:04
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Quinta-feira, 5 de Fevereiro de 2009

Apontamento

(foto retirada do site http://jornalismob.wordpress.com/) 

 

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.

Caiu pela escada excessivamente abaixo.

Caiu das mãos da criada descuidada.

Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

 

Asneira? Impossível? Sei lá!

Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.

Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

 

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.

Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.

E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

 

Não se zangam com ela.

São tolerantes com ela.

O que eu era um vaso vazio?

 

Olham os cacos absurdamente conscientes,

Mas conscientes de si-mesmos, não conscientes deles.

 

Olham e sorriem.

Sorriem tolerantes à criada involuntária.

 

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.

Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.

 

A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?

Um caco.

E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem porque ficou ali.

 

Álvaro de Campos

 

 

publicado por Lagash às 16:11
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Terça-feira, 23 de Dezembro de 2008

Sabor do pecado

 

(foto retirada da internet - desconheço o autor) 

 

Tens um odor encantado,

Meu objeto adorado,

Colibri dos dias meus...

Se me beijas como à flor,

Eu me entrego com ardor

Ao sabor dos lábios teus.

 

Nosso caso, apimentado,

Com tempero de pecado,

Transborda em excitação.

No vai-vem dos nossos laços,

No roçar de nossos braços,

Explode esta relação.

 

O momento mais bonito

É quando vibro e grito

De tanta satisfação...

Nada embota este prazer

Que é a ti pertencer,

Corpo, alma e coração...

 

Piero Valmart

 

publicado por Lagash às 16:26
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Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2008

Silêncio

 

(foto retirado da internet - desconheço o autor) 

 

Parar o mundo e dormir

Colocar uma pausa na música

Burburinho a tinir…

Cobrir o céu com a túnica

 

Silenciar os pássaros a voar,

Calar as bocas que falam,

Segurar assobio no ar.

Param as coisas que estalam…

 

Tudo está calmo e parado,

Todos somos nós e os outros,

Nada está mais que calado.

 

Todo o som nos dá calma,

Só o coração bate aos socos,

E o silêncio, a música da alma.

 

Mário L. Soares

 

publicado por Lagash às 16:16
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Quinta-feira, 6 de Novembro de 2008

Demência

 

(foto retirada da internet - desconheço o autor) 

 

Serei um louco? Um alucinado?

Não tenho mão em mim,

Estarei estragado?

Não sei como me tornei assim…

 

Troco-me por outro

Sem a mínima garantia,

Sigo, diferente, o troço,

Que a mim estarrecia…

 

Parto perdido, ao mesmo volto,

Sou o que sou, sem demagogia

Largo a realidade, não fico solto.

 

Triste e revolto, ando sem norte,

Vou pela estrada e vendo a alma,

Disseminado ao vento, sigo a minha sorte.

 

Mário L. Soares

 

publicado por Lagash às 16:20
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Declaração

Declaro que a responsabilidade de todos os textos / poesia / prosa publicados é minha no respeitante à transcrição dos mesmos. Faço todos os possíveis para contactar o(s) autor(es) dos trabalhos a fim de autorizarem a publicação, na impossibilidade de o fazer, caso assim o entenda o autor ou representante legal deverá contactar-me a fim de que o mesmo seja retirado - o que será feito assim que receba a informação. Os trabalhos assinados "Mário L. Soares" são de minha autoria e estão protegidos com a lei dos direitos de autor vigente. Quanto às fotografias, todas, cujo autor não esteja identificado, são de "autor desconhecido" - caso surja o respectivo autor de alguma, queira por favor contactar-me para proceder à sua identificação e se for caso disso retirada do blog. Às restantes fotografias aplicarei o mesmo princípio dos trabalhos escritos. Obrigado. Mário L. Soares - lagash.blog@sapo.pt

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