Lígia Pereira de Sousa, 75 anos, solteira, prima em terceiro grau da Condessa de Ourique, moradora de um T5 no Restelo. Vive na companhia de Tareco, gato, cinco anos, rafeiro, sem parentes conhecidos, um presente de Octávio Francisco Magalhães de Almeida e Sousa, 43 anos, "bon vivant" e sobrinho querido.
Lígia tem a mania da limpeza e costuma banhar o Tareco uma vez por dia. neste momento, Ligia está a pôr o Tareco, todo molhado do seu último duche, a secar dentro de um forno de microondas. Tareco ainda protesta mas Lígia não se incomoda. Fecha a porta do microondas. Liga-o no máximo.
Enquanto isto, no Algarve, Paulo Monsanto de Carvalho, quatro anos, mais conhecido como Baby, está a construir um castelo de areia na Praia do Gigi. É neste preciso momento que, Tomás Cardoso de Oliveira, sete anos, sardento, caixa-d'óculos e mau carácter, prepara-se para chutar o castelo de Baby. Tomás não sabe, mas Baby jamais irá esquecer o dia em que o seu castelo foi destruído. O trauma por ver uma obra sua deitada, literalmente, abaixo transformará Baby num homem eternamente ressentido, incapaz de acabar um curso, formar uma família, fazer uma carreira e que acabará por entregar-se ao álcool.
Passados 30 anos deste fatídico dia, Baby encontrará casualmente Tomás, executivo bem sucedido, presidente de uma empresa importadora de bananas africanas, numa rua escura, ali pelos lados de Alfama. Não me pergunte o porquê mas Baby estará armado com uma pistola de alto calibre. Baby reconhecerá as sardas e os óculos de Tomás imediatamente. Tomás mal terá tempo de pedir perdão. Em segundos, estará no chão como o castelo que neste exacto momento ele chuta.
Enquanto isto, Alfredo Redondinho Costa, 33 anos, publicitário e “serial killer”, devora o seu pequeno almoço num café ao pé do Marquês de Pombal. O sonho de Alfredo era ser um artista plástico reconhecido internacionalmente. Porém, devido ao intenso ritmo do seu trabalho, a criar anúncios para vender lixívia de uma marca branca de supermercado ou hambúrgueres de uma conhecida rede de “fast food”, feitos a partir de restos de carne de porco, cavalo e papel jornal, nunca encontra tempo para dedicar-se à arte.
Para compensar essa frustação, Alfredo costuma assassinar desconhecidos. Executa-os usando com uma certa violência um taco de basebol. Depois esfola as suas peles, arranca os seus cabelos e com esse material constrói uma instalação na porão da sua casa. Alfredo tem o hábito de escolher as suas vítimas pela manhã no café onde está neste momento.
E é por isso que ele concentra a sua atenção em Vanessa Pires Moutinho, 27 anos, mulata brasileira de compleição física avantajada, nascida Sebastião Pires Moutinho, objecto de uma cirurgia de mudança de sexo na Suécia. Vanessa repara nos olhares de Alfredo e corresponde. Passados alguns minutos trocam os telefones.
Alfredo fica empolgado com a possibilidade de acrescentar um tom de pele mais escura à sua já imensa obra prima. Não sabe que Sebastião, digo, Vanessa, antes de se tomar dançarina de um bar de strippers da 24 de Julho, era porteiro de uma boate em Recife. Dona de uma força descomunal, será simples para Vanessa empalar, via anal, o psicopata com o seu próprio taco de basebol. Surpreendentemente, Alfredo morrerá com dor, mas morrerá feliz.
Enquanto isto, Pedro Saldanha Soares, 38 anos, filósofo formado numa universidade francesa, caminha pelo centro da cidade. Está a reflectir sobre a sua tese de doutoramento baseada no conceito da não existência do destino. Pedro defende que o homem, através do raciocínio dialéctico e da argumentação entrópica, pode controlar todos os passos da sua vida.
Pedro acredita que o destino não passa de uma invenção das almas ingénuas, uma herança abstracta da origem tribal da humanidade. Ele está a pensar nisso enquanto atravessa a rua sem perceber que um autocarro da linha Chelas-Rossio vem na sua direcção. Joaquim da Silva, 44 anos, ex-interno da Casa Pia, motorista, ainda tenta travar o autocarro mas é tarde demais.
Enquanto isto, Tareco arranha o vidro do microondas e dá a sua miada final.
Edson Athayde
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